Mais impostos ou gestão eficiente: do que o Brasil precisa?

Médico ginecologista e obstetra com quase 50 anos de vida profissional, encontrei na gestão outra atividade que marcou minha trajetória. Ocupei postos em diversas entidades públicas e privadas que deixaram sob minha responsabilidade o seu controle orçamentário. Quando se vive essa experiência, algumas lições ficam para sempre. 

A principal delas é que débitos jamais podem superar créditos — ou seja, gastar mais do que se arrecada é tomar um caminho sem volta para o abismo. Na gestão pública, isso se chama responsabilidade fiscal, um princípio orçamentário clássico que, no Brasil, é regulado por meio de legislação específica.

Essa regra de ouro está prevista na Constituição de 1988, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000) e nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDOs), entre outras, que propõem um equilíbrio adequado para as finanças públicas, cabendo ao Executivo manter a casa em ordem, respeitando limites fixados em metas acordadas. 

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Em 2025, até o momento, os números oficiais revelam que algo vai mal nesse quesito. O Banco Central divulgou que, em maio deste ano, o consolidado das contas do setor público apresentava um deficit primário de R$ 33,7 bilhões, resultante do descompasso entre entradas e saídas das planilhas públicas. Em maio de 2024, o desempenho era ainda pior, com um rombo de R$ 63,9 bilhões, um buraco reduzido graças ao crescimento da arrecadação. 

Traduzindo: a sociedade tem sido chamada a cobrir os desequilíbrios da máquina pública — muitas vezes, com o aumento de impostos. Exemplo recente é a tentativa do governo federal de elevar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), por meio da edição do Decreto 12.499/25. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelo Congresso Nacional, que a derrubou por ampla maioria, numa rara convergência entre base aliada e oposição.

Esse enredo deve se desdobrar em outros capítulos e seu desfecho pode ainda estar longe. Contudo, é preciso estar atento a uma questão: independentemente dos rumos tomados, as políticas sociais não podem ser penalizadas por arrochos, usando-se como argumento a perda de receita ou crescimento do deficit fiscal.

No início de junho, bem antes da queda de braço sobre a alta do IOF no Congresso, a equipe econômica deu sinal do que pode vir pela frente. Foi anunciado o corte de R$ 31,3 bilhões em gastos no Orçamento deste ano, o maior valor absoluto em cinco anos. No entanto, cogita-se que outras medidas desse tipo podem ser anunciadas em 2025. 

É preocupante que o Ministério da Saúde esteja entre os mais afetados pelo contingenciamento anunciado. O corte de R$ 5,9 bilhões (2,5% do orçamento total da pasta) se divide em dois eixos: R$ 3,6 bilhões em emendas de bancada e R$ 2,3 bilhões em despesas discricionárias do Executivo, deixando a população e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) em alerta. 

As iniciativas comprometidas pela decisão incluem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na área da saúde, com redução de quase 10% do investimento previsto de R$ 5,8 bilhões distribuídos em 19.845 empreendimentos. As obras e ações que podem ser prejudicadas envolvem a construção de policlínicas, unidades básicas de saúde (UBS), centros de atenção psicossocial (CAPS) e a compra de unidades odontológicas móveis e ambulâncias do Samu 192. 

Além disso, o corte do governo no orçamento da saúde deve atingir a manutenção do Programa Farmácia Popular, do qual foram contingenciados R$ 226,8 milhões. Esse arranjo para ajudar a reduzir o deficit fiscal tem potencial para provocar descredenciamento de unidades conveniadas e/ou a redução na oferta de remédios.

O impacto também atinge a Hemobrás, empresa pública de pesquisa, desenvolvimento e produção de medicamentos, hemoderivados e biotecnológicos, com bloqueio de R$ 400 milhões; e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com redução superior a 40% em suas contas, o que deve resultar em aumento do tempo de espera para registro de substâncias e fármacos e redução do quadro de pessoal, com impacto direto em ações de controle e fiscalização. 

Em todos esses casos, e tantos outros, o maior prejudicado, como sempre, é o cidadão — especialmente aquele que depende exclusivamente da rede pública de saúde para ter acesso a consultas, exames, medicamentos e tratamento digno. É assim que se faz justiça social num país tão marcado pela desigualdade?

Como gestor, aprendi que não, assim como nem com aumento da carga tributária, nem com cortes em áreas sensíveis e de interesse social, nem com a desconsideração dos princípios básicos da boa gestão do bem público. Já no papel de médico, estou convicto de que a verdadeira solução só chegará quando colocarmos a vida humana no centro das prioridades, em cujo benefício tudo deve ser feito.

Por José Hiran Gallo, presidente do CFM – Médico ginecologista e obstetra

*Texto publicado originalmente no jornal Correio Braziliense

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